sexta-feira, 3 de junho de 2011

Não podemos calar...


Qual a dor de ter nos braços um filho morto pela maldade do mundo? Qual a dor de ver quem você ama sofrendo? Como deve ter ficado a mão de Vanessa? Qual? desta : Vanessa, de apenas 6 anos que morreu com um tiro pelas costas que lhe trespassou o corpinho. Vanessa foi atingida quando sua mãe corria com ela e o irmãozinho em direção a mata.





E e história continua...

Um dos presos Antônio Urias descreveu a cena que ocorreu quando avisaram que o advogado da CPT estava chegando:
— Nós era mais de setenta homens presos na delegacia, e todos tiveram de tirar as roupas e os calçados e ficar de Zorba. As roupas e os calçados a gente ia jogando em um monte dentro de uma sala. Nós passamos a noite assim, sem roupa, sem comer e ainda apanhando e sofrendo as piores humilhações. Tinha companheiro que estava todo roxo, de tanto levar bordoadas. Aí já tinha amanhecido o dia, já era tarde. Aí os policiais chegaram gritando: "Sai, sai, corre, corre, pega as roupas e veste e os calçado e calça e é depressa, anda, anda seus porcos lerdos". Ali era debaixo de chutes e socos e cada um pegava a primeira roupa e o primeiro calçado. Não podia procurar a sua ou outro que servisse. Nós ficamos igual palhaço. As roupas fediam de sujas de suor, de terra e de sangue. Eu fiquei muito desajeitado porque vesti uma calça muito grande e num tinha cinto, aí tive que ficar segurando assim. Eles procuravam tudo quanto era modo de fazer a gente sofrer e ser humilhados. Não precisava nada daquilo. Nós era só uns coitados querendo terra para plantar.
Outra descrição de tortura (termo de inquisição folha 5.901 autos), inquérito: Ariovaldo Neckel de Almeida:
...Que o trio levou o depoente para os fundos da delegacia, onde havia uma veraneio abandonada e lá passaram a torturar o depoente, tentando obter alguma informação...
... Que nessa sessão teve sua mão direita apertada na porta da veraneio, e dedo da mão direita, o médio torado para retaguarda, chute nos órgãos genitais, nas costas, socos e pancadas simultâneas nos dois ouvidos que lhe provocaram hemorragias...
Os hospitais de Colorado do Oeste, Cerejeiras e Vilhena estavam lotados de posseiros feridos. Apenas Claudemir Gilberto Ramos foi deslocado do hospital de Vilhena para o hospital em Porto Velho. Claudemir estava correndo risco de vida porque tivera ferimentos muito graves, inclusive traumatismo craniano, resultado do espancamento que sofreu no acampamento por parte de policiais e jagunços. Ele corria ainda o risco de ser assassinado, pois sofreu um atentado quando estava no hospital de Vilhena e outro quando estava em Porto Velho.
Para aquelas autoridades era considerado ferido o posseiro que apresentasse lesões graves e principalmente ferimentos por projéteis de arma de fogo. Os que estivessem com a mão quebrada, pés feridos, costelas quebradas, hematomas externos, escoriações, mesmo cortes em diversas partes do corpo e até grandes cortes na cabeça não eram considerados como feridos.
Do lado dos policiais era o contrário, qualquer escoriação era considerado ferimento.
As notícias de que havia acontecido algo muito sério na Santa Elina começaram a circular no final do dia 9/08 mas só no dia 10/08 é que o Brasil e o mundo se consternaram diante das imagens de Corumbiara.
Aí vieram as explicações. Todos tentavam explicar o que era inexplicável.
O governador do Estado Waldir Raup em seus discursos culpou o INCRA pelo massacre e imediatamente atribuiu aos posseiros a responsabilidade por terem emboscado os policiais que estavam cumprindo ordens. O governador foi omisso durante aqueles vinte e quatro dias em que poderia ter interferido e quando o pior aconteceu, tomou a atitude mais cômoda, ou seja, transferiu culpas e responsabilidades.
Foram as explicações do prefeito de Corumbiara se queixando porque não foi notificado da operação; são explicações do comandante geral da PM dizendo que os policiais foram emboscados e que cumpriram o dever de proteger a propriedade.
Naquele dia 9 de agosto de 1995 morreram onze pessoas inclusive a pequena Vanessa, de apenas 6 anos que morreu com um tiro pelas costas que lhe trespassou o corpinho. Vanessa foi atingida quando sua mãe corria com ela e o irmãozinho em direção a mata. Corumbiara continuou fazendo vítimas.

Corumbiara continuou e continua fazendo vítimas
Nos casos de violência no campo, o que é mais evidente é que os que praticam todo tipo de violência contra os trabalhadores, contra religiosos, advogados, enfim contra todos os que questionam o latifúndio, é a certeza da impunidade. No caso da Santa Elina não foi diferente, porque Antenor Duarte e o seu capataz José Paulo estão impunes, apesar da ostensiva participação deles em todo o processo que culminou no massacre de Corumbiara.
Na investigação dos fatos, pode-se perceber como a justiça ignorou ou desqualificou os depoimentos dos posseiros e de todos que os apoiam, inclusive do Bispo Dom Geraldo Verdier, do padre, dos vizinhos... prevalecendo a voz dos próprios policiais e dos fazendeiros. O massacre de Corumbiara teve repercussões e consequências nacionais e internacionais e é um marco definitivo na história dos quinhentos anos de luta no campo.
Até hoje tem gente doente, morrendo ou sem poder trabalhar por causa das lesões sofridas. As viúvas e os órfãos estão desamparados. Ainda existe gente desaparecida até hoje.
Outra grande vítima de Corumbiara foi o vereador Nelinho, assassinado em dezembro de 1995, depois de ter sofrido muitas ameaças de morte. Os pistoleiros que emboscaram Nelinho foram controlados pelo vereador do PMDB, Percílio. O vereador do PT era filho de camponeses e um defensor de seus pares.
E no júri popular que aconteceu em Porto Velho no período de 14/08 a 06/09/2000, os sem terra Cícero Pereira Leite Neto e Claudemir Gilberto Ramos foram condenados, mesmo sem provas nos autos. Cícero e Claudemir são mais duas vítimas de Corumbiara e do latifúndio.
Na virada do III milênio, são cinco séculos do descobrimento da América, do Brasil. O tempo passou, mas não passaram os massacres contra os trabalhadores, contra os meninos de rua e meninos do campo. Não bastara o sofrimento impingido a eles pelo salário mínimo, más condições de vida e desemprego puro e simples, ainda são protagonistas de episódios como Candelária, Carandiru, Eldorado do Carajás, Corumbiara, Favela Naval e tantos outros locais que serviram de palco para massacres e execuções.
Os meios de comunicação são pródigos em mostrar toda sorte de violência: mortes, seqüestros, estupros, roubos, corrupção, invasão de terras e de prédios. É muito importante o papel da mídia para evidenciar tudo isso, porém, cabe fazer a distinção entre as mais diferentes formas de violência, os violentadores e os violentados.
Os meios de comunicação acabam homogeneizando e generalizando o que é muito diferente em gênese, causa e conseqüência.
As propostas do governo quando é chacoalhado por um episódio violento é anunciar medidas paliativas, tais como aumentar a repressão com mais armamento para a polícia, aumentar os efetivos militares, treinar melhor os policiais, proposta para a redução da idade de responsabilidade criminal, e aventa-se até a possibilidade de pena de morte, enquanto as pessoas que "podem", circulam em carros blindados e se escondem em fortalezas de muros e alarmes.
Mas até quando vai se sustentar tal situação?
Qual a perspectiva de mudança?
As causas desta situação não são mostradas pela mídia, mas são do conhecimento da maioria.
O Brasil é o segundo país em concentração de terras e em relação às desigualdades sociais, nas diferenças entre ricos e pobres, o Brasil é campeão absoluto. Num país onde os ricos ficam mais ricos, e muitas vezes acima da lei, e os pobres ficam cada vez mais pobres, qualquer política de natureza repressiva terá pouca eficácia. Criminalizar meninos de rua e sem terra, além de ser um exemplo da política medíocre, não resolve os problemas.
As ações das populações reprimidas e excluídas são classificadas de baderna e subversão da ordem, e os atores são tidos como marginais. Então toda essa baderna promovida por estes "marginais" tem uma causa muito mais séria do que aquela que é veiculada pela mídia. No fundo, entre outros problemas está a questão agrária não resolvida. Questão agrária no sentido mais amplo, que vai além da própria reforma agrária, que, no dizer de José de Souza Martins (17), seria a solução da questão, daquela que diz respeito à terras dos índios, dos posseiros, dos seringueiros, assim como às políticas agrícolas e agrárias, e até mesmo ambientais, que acabam por privilegiar o latifúndio.
Depois de Corumbiara veio Eldorado do Carajás. Quantas mortes mais serão necessárias para que aconteça a reforma agrária no Brasil? Esta é uma pergunta ainda sem resposta nesse início de terceiro milênio.
Notas


(1) Parte de tese de doutorado intitulada: Corumbiara: o massacre dos camponeses. Rondônia, 1995. (FFLCH/USP, 2001).




2011 - Adelino Ramos, o Dinho, liderança do Movimento Camponês Corumbiara (MCC) e sobrevivente do massacre de 1995, foi morto na sexta-feira (27) de maio em Vista Alegre do Abunã (RO). Ele também denunciava a ação de madeireiros.

__________________________________________________________________________________




"Durante anos muito sangue já foi derramado, muitas vidas perdidas e até hoje não foi possível uma reforma agrária séria e eficaz”, ressalta o padre Leo Dolan, presidente do Comitê de Solidariedade, no ofício apresentado a Dilma. Na última semana, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara já havia recebido material semelhante no qual se solicitava saber quais atitudes haviam sido tomadas pelo Estado desde o dia do massacre.


Existem muitas pessoas que tanto lutaram pela paz neste planeta aqui segue um poema de uma delas:


Obrigado e até a próxima. !

Daniel

Um comentário:

  1. ‎"Quando o conheci ele era um humilde vendedor de verduras, mesmo depois de tantas propostas e chance de se tornar fazendeiro, morreu honestamente vendendo verduras" Pe. Léo Dolan - Missa em memória do Irmão Adelino Ramos (lider do movimento Corumbiara)

    ResponderExcluir